segunda-feira, 25 de setembro de 2023

EDDY LUST´N – A LOCOMOTIVA SONORA E METRALHADORA VERBAL DO ROCK AUTORAL PARANAENSE

 EDDY LUST´N – A LOCOMOTIVA SONORA E METRALHADORA VERBAL DO ROCK AUTORAL PARANAENSE


O maior vocalista paranaense de todos os tempos. Um dos melhores que vi em um palco ao longo de décadas vivenciando o mundo da música. Ácido, visceral,  contestador. Genial.  Seu vocal potente despejando seus versos marginais ainda ecoam na estrada no underground por onde ainda hoje trilhamos. Mesmo aqueles que não sabem ou nunca saberão. Mesmo aqueles que não conhecem ou nunca conhecerão. Quem conhece e vivenciou este capítulo mágico e transformador do rock respeita, admira e reconhece neste magistral vocalista um dos responsáveis por todo conteúdo de rock autoral regional que veio em seguida. Faço desta entrevista uma singela homenagem à Eddy Lust´n,  que como sempre nos recebeu de forma muito carinhosa e pontual.  Uma entrevista muito aguardada, reveladora. À partir deste momento o gatilho da metralhadora verbal paranaense está acionado. Aproveitemos este momento histórico como o frontman e band-leader do lendário  Virga Férrea.

CMH – O Virga Férrea arrombou a porta do rock autoral regional e paranaense  em altíssimo nível onde até hoje bebe-se nesta fonte muito fecunda. Como foi o processo de formação do Virga Férrea?

Em 1985, pela brilhante idéia de Jair Palmeira,  empresário envolto com a cultura da cidade, surgiu a brilhante sacada de um festival de rock  intitulado “Sabor de Verão” em Maringá-PR. Eu, como um mero espectador e curioso, não poderia faltar ao evento. Afinal, para um não tão garoto e estudante do curso de história da UEM (Universidade Estadual de Maringá), seria uma oportunidade única explorar o campo das idéias dentro daquilo que, na minha concepção, seria talvez o mundo da contestação para um mundo melhor, quem sabe um Woodstock tupiniquim. Porém, para minha surpresa, nada do que ouvi e vi ali me convenceu, exceto a vontade imatura de um trio chamado “Cidade Virgem”, que tinha como vocalista e guitarrista Almir Zago, baixista Jorge Cesso e, na bateria, Silvio Rocha, até então um locutor iniciante de rádio FM e percussionista nas horas vagas. A proposta do “Cidade Virgem” se distinguia das demais bandas do festival. Covers de Whitesnake (Guilty Of Love), Rádio Táxi em versão de Gary Gliter e outras aberrações do rock nacional  e do rock que não cabem comentar. Finda a apresentação do “Cidade Virgem”, me encaminhei ao “front man” guitarrista e vocalista Almir Zago com a pergunta certa e definitiva: “porque vocês não contratam um vocalista?”. No que me foi respondido: “Se você canta, então vá fazer um ensaio com a gente”. Dito e feito, para quem cantava no pau de uma beliche, seria a oportunidade para o estrelado ou ao menos um palco de madeira sem qualquer sustentação física ou musical. Fui ao próximo ensaio sem demonstrar que o nome da banda “Cidade Virgem” era um fracasso só (risos), porém, não estava com essa bola toda para botar banca e, de cara, mudar o nome do trio. Para quem nunca tinha sequer experimentado uma sessão barulhenta de “não sei por onde começar”, as coisas até que fluíram bem num primeiro instante. Imagine um fantasma de carteirinha do Deep Purple tendo que cantar Rádio Táxi! Porém, foi a oportunidade única para dizer que o nome da banda era um fracasso e que o baterista não tocava como o Ian Paice (risos).  Pronto, dada a oportunidade democrática de se manifestar, educadamente, me manifestei como o singer mor de uma big band do rock and roll… “Virga Férrea” (grande violência, opressão, atacar, extrema severidade), esse era o nome pela situação que vivíamos e o que nos restava  para arrombar as portas daquilo que nos sufocava e nos oprimia. Aceita a idéia, de “Cidade Virgem” foi tirada a identidade e o cabaço, deixou de existir para se tornar a banda “Virga Férrea”. Esse foi o prenúncio de uma banda com identidade própria, de som autoral próprio e sem meias palavras, estávamos prontos para dizer tudo aquilo que todos temiam e não tinham coragem de falar por muito tempo. O Virga deu adeus à qualquer tipo de repressão e todos encheram seus pulmões para cantar e bom e alto som “a esperteza desses idiotas (políticos) não me engana, é a pura mentira destilada em organismos… é reio na carne”.

CMH- O encontro da formação clássica do Virga Férrea composta por músicos excepcionais aliado à influência com o que há de melhor no berço do hard rock e heavy metal resultou numa obra autoral extraordinária. Quem conhece cultua a banda e esta referida obra. Vocês tinham dimensão do que estavam construindo na história do rock paranaense? Comente sobre isso.

Na verdade, apesar de eu ser um veterano culturalmente falando na banda e estudante do Curso de História, tinha alguns pontos de vista distantes daqueles que os “meninos” enxergavam como diversão. Deixamos ao longo de 1985 a 1990 muitas músicas que sequer nos importamos em tocar novamente, o processo criativo na minha cabeça (letras e melodias) fluía como se tivesse escovando os dentes. Porém, com a troca de alguns membros nesse período, a banda enfim encontrou um porto não tão seguro com a chegada do baterista Sérgio Halabi e do baixista Stone Ferrari, oportunidade em que evoluímos musicalmente e passamos a ser reconhecidos como uma banda de respeito pela atitude e adiante de nosso tempo, com um som autoral que sequer nunca ouvimos como paralelo até hoje. Tínhamos noção do que éramos e podíamos fazer, mas as coisas nunca foram como pensamos e queremos, o sistema é bruto para todos, nunca foi e nunca será fácil encontrar a nave que nos levará às estrelas.

CMH – A acidez, o visceral, e a poesia marginal são traços muito latentes na obra do Virga Férrea Comente sobre isso.

Talvez se tivéssemos focado nossa obra em peitos e bundas seríamos mais reconhecidos, mas optamos pelo mais difícil caminho da compreensão humana, a luta por direitos e deveres. O que, dentro da próprio banda, foi motivo de divergência, uma vez que queriam que eu fizesse letras que falasse de amor”, mas como de amor eu não sofro e nem tenho dor, nunca arrumei a inspiração de David Coverdale para tanto, preferi o caminho mais difícil, que fez da banda uma referência contestatória, cujas mensagens nunca foram tão atuais: “saio por essas ruas, por essa ruas tristes, onde caminham pessoas, todas para o seu destino, onde o tempo não pára, não param edifícios, onde o progresso é a ordem crescendo dentro do lixo…”

CMH- Afirmo e reafirmo aos quatro ventos (sem qualquer constrangimento)  que você é o maior e melhor vocalista que vi em ação no Paraná e um dos melhores do Brasil (e olha que nesta estrada já vi muitos....).  Uma verdadeira locomotiva sonora dominando os palcos onde passava em apresentações viscerais. Quais suas influências? Como isso surgiu na sua vida?

Como já dito antes, talvez não com muita clareza, cantava no pau da beliche que dividia com meu irmão, que muito se parecia com um microfone (risos). Felizmente me aventurei a aceitar o convite do Almir para vocal do Cidade Virgem. Mas, em se falando de influência vocal, o meu maior ídolo com certeza é “Ian Gillan” (Deep Purple), pela seu timbre e voz solta, despropositada, sem rodeios, vai ao ponto e pronto! O cara é genial, tanto que, em sua homenagem, coloquei o nome em meu filho caçula, mesmo a contragosto da patroa (risos). Devo muito à Ian Gillan, e ele sabe disto, esse é o meu consolo!


CMH – O tempo é uma carruagem que nos leva pelas mãos.  Como você observa a maturidade dos mais clássicos vocalistas, e como você pessoalmente lida com isso?

Tenho acompanhado de perto os auges e decadências de muitos monstros dos vocais. De certa forma, nunca nem ninguém sempre estará no auge, porém, a forma como você conduz a sua vida, seja ela regrada de bons modos, mas insana em atitudes, te levará à decadência. Vejo que muitos vocalistas se esquecem do dia de amanhã, principalmente aqueles que fumam e bebem em excesso sabendo que dia sim, dia não, têm seus compromissos agendados. Temos bons exemplos que não cabe aqui nominarmos, mas a maioria sequer se dá conta que a voz não é como um instrumento que se troca as cordas.

 

CMH – Dentre os vários capítulos da bonita, transformadora e inspiradora história do Virga Férrea tiveram dois momentos em que a banda literalmente colocou abaixo o ginásio Chico Neto em Maringá nas edições do FEMUCIC.  Quais lembranças destes momentos?

Desde menino, eu sempre acompanhava e não via a hora de chegar o FEMUCIC, afinal eu morava a um quaerteirão do Cine Maringá, onde eram realizadas as primeiras edições. O FEMUCIC era um evento que premiava os melhores, porém se tornou com o tempo apenas uma amostra musical de todos os estilos, o que certamente estilizou o festival e acabou se tornando algo chato de se ver. Participamos, se não me engano, por duas edições, uma no Cine Teatro Plaza - onde fomos premiados -, e, outra, no Ginásio Chico Neto, cuja apresentação se destacou pela atitude do público e pelo chamamento deste para que “acabássemos com o Congresso Nacional”, diante do fraco desempenho de nossos representantes diante da situação que estávamos passando à época. Foi uma noite memorável, mas que infelizmente as geração fururas nunca saberão disto. Infelizmente!

CMH – Vocè consegue enxergar que o rock clássico esteja sendo repaginado ou segue adiante  com novas bandas diante de tantas vertentes que o rock criou? Quais bandas atuais chamam sua atenção?

Eu sempre acredito nas boas intenções de bons músicos e compositores. Porém, com esse papo de progressistas e de uma nova ordem mundial, acredito que não há espaço algum para boas intenções, exceto um mercado alinhado em desagregar e transformar a sociedade num serviçal de suas expectativas de ganho e lucro fácil, a voz da esperança, da paz e de um recomeço sob a perspectiva humana para o próximo milênio são aterrorizantes, só se dará bem quem ler a cartilha do mal, acredito mais na música dos emburrecedores progressistas que no “return to fantasy” do Classic Rock.

 

CMH- Quais dicas você daria para quem ser vocalista ou front man-woman de uma banda,  independente do estilo musical?

Eu sempre digo que “o melhor lugar do mundo é o palco”. Ser humilde, tratar a coisa com seriedade e estar focado a cada detalhe que a música exige é um composto que pode, ou não te levar ao sucesso, só depende de quem o esteja ouvindo e entenda sua mensagem de forma positiva.

CMH -  O material do Virga Férrea é precioso e raro. Quais planos para esse acervo?

Esse talvez seja o meu maior pesadelo. Muitos passaram pelo Virga, mas acredito que nenhum deles entendeu absolutamente nada do que diziam as letras e sequer sabem cantarolar alguma das músicas. Pode-se pensar como um absurdo, mas um absurdo é! Alguns diziam, o Virga é você! Não! O Virga nunca foi o Eddy Lust’n, a música do Virga sempre foi muito direta, universal, sem narrativas e atual politicamente como todas as coisas são, mas preferiram abandonar o barco para projetos próprios e, evidentemente, tudo se perdeu no tempo. Reconstruir tudo isso é muito difícil, o mundo mudou e as pessoas preferem deixar de lado os sonhos a participar de algo em comum com medo de não serem reconhecidas pelo pouco que fizeram.

 

CMH – Como estão seus projetos solos? E, veremos ainda o Virga Férrea em ação?

Por enquanto não há projetos solos, tenho sido convidado para algumas apresentações locais, mas tudo não passa de uma brincadeira por assim dizer, mas espero ainda fazer algo substancial para talvez encerrar esse capítulo tão confuso de uma banda que tinha tudo para dar certo, mas preferiram não apostar. Louvado sejam os Deuses do Rock que persistiram (risos). A dinâmica da música está muito mudada hoje em dia, as pessoas ouvem mal e atuam mal no papel de suas competências ou incompetências. É horrível você se relacionar com pessoas que sequer conhece outra banda senão os Beatles, acreditam que o que fazem como músicos/artistas é o suficiente para empinar o nariz e cheirar um pó a  aprender com quem deixou um legado sonoro e incontestável de histórias verdadeiras que validaram toda nossa existência musical. Talvez o feeling Virga Férrea tenha passado, e, por enquanto, do passado viveremos (risos)

 


CMH – Cidadão Vigilância – último single da banda  - trouxe um Virga Férrea maduro e preservando seus traços ácdos e repleto de uma marginalidade contestadora típica da banda em toda sua história. Comente sobre isso.

Cidadão Vigilância é uma letra que eu sempre falava com o Almir a respeito. Mas, como tudo na música surge do nada, um dia fui até a oficina dele com um riff na cabeça, cantarolei e disse que era aquilo que eu imaginava. Como um bom parceiro de longa data, achamos o ponto ideal do som e levamos para o ensaio, não durou nada e música estava pronta para ir pro forno. A continuação dela é uma obviedade no nosso dia a dia, mais direta impossível!

CMH – Quais seus discos preferidos?

Tenho alguns discos de estimação: 1) Deep Purple “In Rock”, “Machine Head”, Black Sabbath “Black Sabbath”, os primeiros do UFO, Uriah Heep, Yes, Warhorse, e por aí vai… mas, o meu gosto musical não secredytinge aí passado, tenho muito apreço por figuras estranhas, como o francês ARNO, a LEONARD COHEN, P. J. Harvey, Alex Harvey Band, NICK CAVE e outros bichos dessa caverna estranha chamada Rock and Roll (risos)

 

CMH –Quais seus vocalistas preferidos?

Ian Gillan, Ronnie James Dio, Bruce Dickinson, David Coverdale, Ian Astbury, David Byron e outros que não me lembro agora (risos). Todos são fantásticos dentro daquilo que se propõe e/ou propuseram pela música.

CMH – Espaço para suas considerações finais.

 Finalmente, gostaria de externar a minha gratidão à CHM, em especial ao meu fiel amigo Marco Aurélio, a quem devo todo respeito e consideração pela sua avidez em tornar viva a história da Virga Férrea, como também à cidade de Colorado, onde no passado tivemos a satisfação de tocar no clube - que não me lembro o nome kkkkk - no aniversário da “Coche”, que me inspirou em algum momento a chamar todos a cantar: “Hoje é o aniversário da Coche; para a Coche o aniversário; para a Coche o caralho, parabéns!!! Noite inesquecível, tocamos músicas até que não sabíamos, mas deu tudo certo! Gratidão a todos!

 

*Por Marcão Azevedo.

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