EDDY LUST´N – A LOCOMOTIVA SONORA E METRALHADORA VERBAL DO ROCK AUTORAL PARANAENSE
CMH
– O Virga Férrea arrombou a porta do rock autoral regional e paranaense em altíssimo nível onde até hoje bebe-se nesta
fonte muito fecunda. Como foi o processo de formação do Virga Férrea?
Em 1985, pela brilhante
idéia de Jair Palmeira, empresário
envolto com a cultura da cidade, surgiu a brilhante sacada de um festival de
rock intitulado “Sabor de Verão” em
Maringá-PR. Eu, como um mero espectador e curioso, não poderia faltar ao
evento. Afinal, para um não tão garoto e estudante do curso de história da UEM
(Universidade Estadual de Maringá), seria uma oportunidade única explorar o
campo das idéias dentro daquilo que, na minha concepção, seria talvez o mundo
da contestação para um mundo melhor, quem sabe um Woodstock tupiniquim. Porém,
para minha surpresa, nada do que ouvi e vi ali me convenceu, exceto a vontade
imatura de um trio chamado “Cidade Virgem”, que tinha como vocalista e
guitarrista Almir Zago, baixista Jorge Cesso e, na bateria, Silvio Rocha, até
então um locutor iniciante de rádio FM e percussionista nas horas vagas. A
proposta do “Cidade Virgem” se distinguia das demais bandas do festival. Covers
de Whitesnake (Guilty Of Love), Rádio Táxi em versão de Gary Gliter e outras
aberrações do rock nacional e do rock
que não cabem comentar. Finda a apresentação do “Cidade Virgem”, me encaminhei
ao “front man” guitarrista e vocalista Almir Zago com a pergunta certa e
definitiva: “porque vocês não contratam um vocalista?”. No que me foi
respondido: “Se você canta, então vá fazer um ensaio com a gente”. Dito e
feito, para quem cantava no pau de uma beliche, seria a oportunidade para o
estrelado ou ao menos um palco de madeira sem qualquer sustentação física ou
musical. Fui ao próximo ensaio sem demonstrar que o nome da banda “Cidade
Virgem” era um fracasso só (risos), porém, não estava com essa bola toda para
botar banca e, de cara, mudar o nome do trio. Para quem nunca tinha sequer
experimentado uma sessão barulhenta de “não sei por onde começar”, as coisas
até que fluíram bem num primeiro instante. Imagine um fantasma de carteirinha
do Deep Purple tendo que cantar Rádio Táxi! Porém, foi a oportunidade única
para dizer que o nome da banda era um fracasso e que o baterista não tocava
como o Ian Paice (risos). Pronto, dada a
oportunidade democrática de se manifestar, educadamente, me manifestei como o
singer mor de uma big band do rock and roll… “Virga Férrea” (grande violência,
opressão, atacar, extrema severidade), esse era o nome pela situação que
vivíamos e o que nos restava para
arrombar as portas daquilo que nos sufocava e nos oprimia. Aceita a idéia, de
“Cidade Virgem” foi tirada a identidade e o cabaço, deixou de existir para se
tornar a banda “Virga Férrea”. Esse foi o prenúncio de uma banda com identidade
própria, de som autoral próprio e sem meias palavras, estávamos prontos para
dizer tudo aquilo que todos temiam e não tinham coragem de falar por muito
tempo. O Virga deu adeus à qualquer tipo de repressão e todos encheram seus
pulmões para cantar e bom e alto som “a esperteza desses idiotas (políticos)
não me engana, é a pura mentira destilada em organismos… é reio na carne”.
CMH-
O encontro da formação clássica do Virga Férrea composta por músicos
excepcionais aliado à influência com o que há de melhor no berço do hard rock e
heavy metal resultou numa obra autoral extraordinária. Quem conhece cultua a
banda e esta referida obra. Vocês tinham dimensão do que estavam construindo na
história do rock paranaense? Comente sobre isso.
Na verdade, apesar de eu ser um veterano culturalmente falando na
banda e estudante do Curso de História, tinha alguns pontos de vista distantes
daqueles que os “meninos” enxergavam como diversão. Deixamos ao longo de 1985 a
1990 muitas músicas que sequer nos importamos em tocar novamente, o processo
criativo na minha cabeça (letras e melodias) fluía como se tivesse escovando os
dentes. Porém, com a troca de alguns membros nesse período, a banda enfim
encontrou um porto não tão seguro com a chegada do baterista Sérgio Halabi e do
baixista Stone Ferrari, oportunidade em que evoluímos musicalmente e passamos a
ser reconhecidos como uma banda de respeito pela atitude e adiante de nosso
tempo, com um som autoral que sequer nunca ouvimos como paralelo até hoje.
Tínhamos noção do que éramos e podíamos fazer, mas as coisas nunca foram como
pensamos e queremos, o sistema é bruto para todos, nunca foi e nunca será fácil
encontrar a nave que nos levará às estrelas.
CMH
– A acidez, o visceral, e a poesia marginal são traços muito latentes na obra
do Virga Férrea Comente sobre isso.
Talvez se tivéssemos
focado nossa obra em peitos e bundas seríamos mais reconhecidos, mas optamos
pelo mais difícil caminho da compreensão humana, a luta por direitos e deveres.
O que, dentro da próprio banda, foi motivo de divergência, uma vez que queriam
que eu fizesse letras que falasse de amor”, mas como de amor eu não sofro e nem
tenho dor, nunca arrumei a inspiração de David Coverdale para tanto, preferi o
caminho mais difícil, que fez da banda uma referência contestatória, cujas
mensagens nunca foram tão atuais: “saio por essas ruas, por essa ruas tristes,
onde caminham pessoas, todas para o seu destino, onde o tempo não pára, não
param edifícios, onde o progresso é a ordem crescendo dentro do lixo…”
CMH-
Afirmo e reafirmo aos quatro ventos (sem qualquer constrangimento) que você é o maior e melhor vocalista que vi
em ação no Paraná e um dos melhores do Brasil (e olha que nesta estrada já vi
muitos....). Uma verdadeira locomotiva
sonora dominando os palcos onde passava em apresentações viscerais. Quais suas
influências? Como isso surgiu na sua vida?
Como já dito antes,
talvez não com muita clareza, cantava no pau da beliche que dividia com meu
irmão, que muito se parecia com um microfone (risos). Felizmente me aventurei a
aceitar o convite do Almir para vocal do Cidade Virgem. Mas, em se falando de
influência vocal, o meu maior ídolo com certeza é “Ian Gillan” (Deep Purple),
pela seu timbre e voz solta, despropositada, sem rodeios, vai ao ponto e
pronto! O cara é genial, tanto que, em sua homenagem, coloquei o nome em meu
filho caçula, mesmo a contragosto da patroa (risos). Devo muito à Ian Gillan, e
ele sabe disto, esse é o meu consolo!
Tenho acompanhado de
perto os auges e decadências de muitos monstros dos vocais. De certa forma,
nunca nem ninguém sempre estará no auge, porém, a forma como você conduz a sua
vida, seja ela regrada de bons modos, mas insana em atitudes, te levará à
decadência. Vejo que muitos vocalistas se esquecem do dia de amanhã,
principalmente aqueles que fumam e bebem em excesso sabendo que dia sim, dia
não, têm seus compromissos agendados. Temos bons exemplos que não cabe aqui
nominarmos, mas a maioria sequer se dá conta que a voz não é como um
instrumento que se troca as cordas.
CMH
– Dentre os vários capítulos da bonita, transformadora e inspiradora história
do Virga Férrea tiveram dois momentos em que a banda literalmente colocou
abaixo o ginásio Chico Neto em Maringá nas edições do FEMUCIC. Quais lembranças destes momentos?
Desde menino, eu sempre
acompanhava e não via a hora de chegar o FEMUCIC, afinal eu morava a um
quaerteirão do Cine Maringá, onde eram realizadas as primeiras edições. O
FEMUCIC era um evento que premiava os melhores, porém se tornou com o tempo
apenas uma amostra musical de todos os estilos, o que certamente estilizou o
festival e acabou se tornando algo chato de se ver. Participamos, se não me
engano, por duas edições, uma no Cine Teatro Plaza - onde fomos premiados -, e,
outra, no Ginásio Chico Neto, cuja apresentação se destacou pela atitude do
público e pelo chamamento deste para que “acabássemos com o Congresso
Nacional”, diante do fraco desempenho de nossos representantes diante da
situação que estávamos passando à época. Foi uma noite memorável, mas que
infelizmente as geração fururas nunca saberão disto. Infelizmente!
CMH
– Vocè consegue enxergar que o rock clássico esteja sendo repaginado ou segue
adiante com novas bandas diante de
tantas vertentes que o rock criou? Quais bandas atuais chamam sua atenção?
Eu sempre acredito nas
boas intenções de bons músicos e compositores. Porém, com esse papo de
progressistas e de uma nova ordem mundial, acredito que não há espaço algum
para boas intenções, exceto um mercado alinhado em desagregar e transformar a
sociedade num serviçal de suas expectativas de ganho e lucro fácil, a voz da
esperança, da paz e de um recomeço sob a perspectiva humana para o próximo
milênio são aterrorizantes, só se dará bem quem ler a cartilha do mal, acredito
mais na música dos emburrecedores progressistas que no “return to fantasy” do
Classic Rock.
CMH-
Quais dicas você daria para quem ser vocalista ou front man-woman de uma banda,
independente do estilo musical?
Eu sempre digo que “o
melhor lugar do mundo é o palco”. Ser humilde, tratar a coisa com seriedade e
estar focado a cada detalhe que a música exige é um composto que pode, ou não
te levar ao sucesso, só depende de quem o esteja ouvindo e entenda sua mensagem
de forma positiva.
CMH
- O material do Virga Férrea é precioso
e raro. Quais planos para esse acervo?
Esse talvez seja o meu
maior pesadelo. Muitos passaram pelo Virga, mas acredito que nenhum deles
entendeu absolutamente nada do que diziam as letras e sequer sabem cantarolar
alguma das músicas. Pode-se pensar como um absurdo, mas um absurdo é! Alguns
diziam, o Virga é você! Não! O Virga nunca foi o Eddy Lust’n, a música do Virga
sempre foi muito direta, universal, sem narrativas e atual politicamente como
todas as coisas são, mas preferiram abandonar o barco para projetos próprios e,
evidentemente, tudo se perdeu no tempo. Reconstruir tudo isso é muito difícil,
o mundo mudou e as pessoas preferem deixar de lado os sonhos a participar de
algo em comum com medo de não serem reconhecidas pelo pouco que fizeram.
CMH
– Como estão seus projetos solos? E, veremos ainda o Virga Férrea em ação?
Por enquanto não há
projetos solos, tenho sido convidado para algumas apresentações locais, mas
tudo não passa de uma brincadeira por assim dizer, mas espero ainda fazer algo
substancial para talvez encerrar esse capítulo tão confuso de uma banda que
tinha tudo para dar certo, mas preferiram não apostar. Louvado sejam os Deuses
do Rock que persistiram (risos). A dinâmica da música está muito mudada hoje em
dia, as pessoas ouvem mal e atuam mal no papel de suas competências ou
incompetências. É horrível você se relacionar com pessoas que sequer conhece
outra banda senão os Beatles, acreditam que o que fazem como músicos/artistas é
o suficiente para empinar o nariz e cheirar um pó a aprender com quem deixou um legado sonoro e
incontestável de histórias verdadeiras que validaram toda nossa existência musical.
Talvez o feeling Virga Férrea tenha passado, e, por enquanto, do passado
viveremos (risos)
CMH
– Cidadão Vigilância – último single da banda
- trouxe um Virga Férrea maduro e preservando seus traços ácdos e
repleto de uma marginalidade contestadora típica da banda em toda sua história.
Comente sobre isso.
Cidadão Vigilância é uma
letra que eu sempre falava com o Almir a respeito. Mas, como tudo na música
surge do nada, um dia fui até a oficina dele com um riff na cabeça, cantarolei
e disse que era aquilo que eu imaginava. Como um bom parceiro de longa data,
achamos o ponto ideal do som e levamos para o ensaio, não durou nada e música
estava pronta para ir pro forno. A continuação dela é uma obviedade no nosso
dia a dia, mais direta impossível!
CMH
– Quais seus discos preferidos?
Tenho alguns discos de
estimação: 1) Deep Purple “In Rock”, “Machine Head”, Black Sabbath “Black
Sabbath”, os primeiros do UFO, Uriah Heep, Yes, Warhorse, e por aí vai… mas, o
meu gosto musical não secredytinge aí passado, tenho muito apreço por figuras
estranhas, como o francês ARNO, a LEONARD COHEN, P. J. Harvey, Alex Harvey
Band, NICK CAVE e outros bichos dessa caverna estranha chamada Rock and Roll
(risos)
CMH
–Quais seus vocalistas preferidos?
Ian Gillan, Ronnie James
Dio, Bruce Dickinson, David Coverdale, Ian Astbury, David Byron e outros que
não me lembro agora (risos). Todos são fantásticos dentro daquilo que se propõe
e/ou propuseram pela música.
CMH
– Espaço para suas considerações finais.
Finalmente, gostaria de
externar a minha gratidão à CHM, em especial ao meu fiel amigo Marco Aurélio, a
quem devo todo respeito e consideração pela sua avidez em tornar viva a
história da Virga Férrea, como também à cidade de Colorado, onde no passado
tivemos a satisfação de tocar no clube - que não me lembro o nome kkkkk - no
aniversário da “Coche”, que me inspirou em algum momento a chamar todos a
cantar: “Hoje é o aniversário da Coche; para a Coche o aniversário; para a
Coche o caralho, parabéns!!! Noite inesquecível, tocamos músicas até que não
sabíamos, mas deu tudo certo! Gratidão a todos!
*Por Marcão Azevedo.