Poucos artistas atingem o conceito da unanimidade. Vladimir
Korg é um deles. Genialidade singular, que leva em cada banda ou projeto que
participa a visceralidade que o eleva ao patamar de um dos grandes nomes da
cena underground brasileira. Estupendo vocalista. Lestrista magistral. Mestre
das letras e poesias metafóricas. Vladimir Korg conquistou uma legião de fãs
Brasil afora ao participar das formações matadoras do The Mist e do Chakal,
onde seu vocal único comandava locomotivas thrashs produzindo discografias em
ambas as bandas até hoje cultuadas por quem curte o heavy metal de
primeiríssima qualidade. Vladimir Korg atendeu ao ColoradoHeavyMetal de maneira
muito cordial, e conversou conosco sobre suas ex-bandas e sobre sua nova
empreitada ao lado de músicos consagrados, como Paulo Jr, do Sepultura, que
formam o The Unabomber Files. A partir de agora você que navega nas páginas do
ColoradoHeavyMetal curte esta super entrevista com o Mestre do underground
brasileiro:
-Korg, na discografia do The Mist, há quem considere
inacabada a trilogia que iniciou-se com o disco Phantasmagoria e teve o segundo
ato com o extraordinário The Hangman Tree, uma verdadeira obra-prima do rock
nacional. Você acredita que haja a possibilidade de um ´´reunion´´ para
concluir este capítulo fabuloso do heavy nacional?
Acredito que não tem
nada inacabado. A última música é pontual: Leave me alone. Havia uma
possibilidade de uma trilogia. Haveria uma passagem, por eu perceber mesmo que
a banda estava passando por uma transformação musical, decidimos fazer um EP, o
Ashes to Ashes, mas acabei não participando do trabalho e ficou uma conversa de
uma trilogia. Mas terminei o que me propus a fazer. Não foi uma época muito boa
para mim e decidi escrever sobre isso e sangrar isso em versos. Não acredito
que eu estava na minha melhor fase vocal, mas estava em uma fase muito
interessante para o desabafo. Uma reunião é cada vez mais improvável. Não me colocaria
na frente de um projeto se ele não fosse um projeto verdadeiro. Com pessoas que
sangrassem por esse projeto. Uma banda de fim de semana não me interessa. Não é
justo com o nome do The Mist e com os admiradores desse trabalho. Tive a
oportunidade de ver esses admiradores enquanto estava na estrada com o Chakal.
Não é justo com eles que eu não seja verdadeiro enquanto eu estiver cantando
temas como Scarecrow ou Like a bad song.
-Os fãs do The Mist sempre referem-se à banda de uma forma
muito carinhosa e saudosista. Como ex-integrante, você acreditaria que há uma
sensação de orfandade e ansiedade em torno do nome The Mist, pelo que
representou?
Como disse
anteriormente, eu sinto isso. Orfandade é um termo meio dramático. Acredito que
o The Mist fez grandes shows e muitas pessoas não viram a tour do Hangman Tree.
Ela foi muito bem cuidada. Hoje não sei como seria. Os admiradores do The Mist
sempre foram muito carinhosos. Eles sabiam o que a gente estava falando e por
isso acho que tinha uma cumplicidade maior. Eles são diferentes dos admiradores
do meu trabalho com o Chakal, que são mais viscerais. É claro que essa
distinção é bobagem pois todos sempre foram calorosos e tenho sorte de ter
sempre respaldo de produtores, críticos e público. Isto é muito importante para
mim.
-Suas letras carregam uma carga de densidade e linguagem
metafórica muito fortes, de altíssimo nível, por sinal. Quais suas inspirações
e influências?
Muito obrigado. Eu
trabalho muito nisso. As coisas mudaram. Você tem que ser um pouco mais
sofisticado para escrever. Não dá para escrever letras como Children Sacrifice,
pois são narrativas muito datadas. Eu estava começando a compor e criar
texturas vocais. No Chakal escrevi The island of the dead, para o
Destroy!Destroy!Destroy!, falo basicamente as mesmas coisas que falo na
Children Sacrifice mas com um outro direcionamento. Estou falando sobre uma
pintura homônima do pintor suíço Arnold Bocklin. Uma pintura muito especial.Essa
pintura tem citações recorrentes em
várias linguagens artísticas e tem uma aura de mistério sobre a sua criação e
muitos artistas a usaram como elemento lírico para suas obras. Aqui no Brasil,
a escritora Lya Luft a citou em seu livro
O quarto fechado . Como há
várias referências musicais para essa pintura, pensei em fazer uma versão metal
e que a letra se aproximasse do Black Metal. Já no The Mist as letras estão
interligadas. Muitas delas estão se conectando a outros trabalhos também. O que
mais me dá arrepios é sobre a interpretação que as pessoas dão para as letras e
as conexões com o trabalho gráfico. Eles criam histórias e como eu estava
escrevendo sobre mim, eu fico aterrorizado com as interpretações que elas dão.
Para escrever, você necessariamente tem que ser um leitor e mesmo assim, muitas
vezes você pode não ser um bom escritor. Eu leio, não tanto quanto eu deveria e
nem as coisas que eu gostaria de ler, mas leio. Ler certas coisas dói. Quando
estava me graduando em Filosofia, Hegel era o cara que me fazia sangrar pelos
ouvidos. Agora conseguir escrever poemas para atingir outras pessoas é uma outra
história. A primeira coisa é você ter uma carga dramática que seja suficiente
para que o ouvinte fique instigado a saber o que você está querendo dizer. Para
realmente entrar na sua história. Muitas bandas não se preocupam com isso,
acham que isso é secundário. Muitas vezes conseguem fazer um ótimo som, mas
sucumbem em um vocal sem expressão ou letras pouco inspiradas. Um vocal ruim e
sem expressão é desastroso para qualquer trabalho.
-Os fãs do Chakal foram agraciados com seu retorno, anos
após o histórico Abominable Anno Domini, e lançamentos avassaladores desde então, dando a nítida
impressão de que o tempo foi generoso com a banda, propiciando um reencontro
extraordinário. Compartilhe com nossos(as) leitores(as) como é escrever mais
estes capítulos valiosos no thrash metal nacional:
Foi muito
interessante. Eles são muito ligados no heavy metal tradicional. Eu me
considero um cantor de Death Metal. Acredito que a minha textura vocal se
aproxima mais desse estilo. Ainda não consegui fazer um trabalho nessa vertente.
Essa união do heavy/thrash metal do Chakal e minha voz conseguem sempre um bom
resultado final. Tenho liberdade para criar minhas letras e o meu caminho vocal
trabalhando com eles e por isso consigo me sentir mais em casa. Acredito que o
Destroy foi o melhor álbum que eu fiz no Chakal. O Abominable, é claro, foi o
primeiro e tem aquele carinho especial, mas o Destroy consegui escrever o que
eu realmente queria escrever sobre os monstros que eu sempre gostei de ver nos
cinemas ou ler a respeito deles. Acho um álbum de heavy metal legítimo, com
pedigree.
-Você lançou projetos bem diferentes de sua musicalidade
mais conhecida, porém de bastante qualidade. Talvez incompreendidos à época,
hoje são itens de colecionadores (referimo-nos ao The Junkie Jesus Freud
Project, com uma musicalidade mais psicodélica, e NUT, este com um som mais
direto). Seus fãs estavam preparados
para estas facetas, visto sua forte imagem do Korg do The Mist e Chakal? Como
você avalia hoje estes projetos, décadas depois?
Consegui minha
liberdade como compositor e com os que acompanham meu trabalho. Quando você
caminha por outras trilhas e explicita isso para todos, você está dizendo que é
livre para fazer o que quiser. Isto é a arte ! Foi uma época magnífica para
mim. Estava realmente saindo de uma fase negra que eu passei com o The Mist.
Uma fase difícil comigo mesmo. Esses trabalhos foram bem interessantes porque
estava cercado por amigos que estavam mais ou menos na mesma frequência. Eu
estava fazendo imersões intensas com o uso de ayahuasca.
Foi uma época inesquecível e tive muito apoio da Cogumelo que bancou os
projetos sem questionar.
-The unabomber Files tem uma sonoridade atual, energética e
matadora. Como se deu esta reunião com músicos consagrados de outras bandas
nacionais?
Eu sempre fui muito
inquieto e meu timing é muito diferente do Chakal, a banda que eu estava
tocando na época. Tinha muita curiosidade em tocar com o Alan Wallace por causa
da sua palhetada precisa - meio Anthrax - e como eu o conhecia e sabia das suas
influências, fiquei entusiasmado em fazer um trabalho com ele. Eu o convidei, ele
trouxe o André do Eminence e chamou o Paulo do Sepultura. Ele fez alguns riffs
e vi que era aquilo mesmo. Base na cara, vocal cuspindo como uma metralhadora e
rapidez. Acertei em cheio.
-A julgar pela excelente receptividade ao The Unabomber
Files, há previsão de um trabalho contínuo, até
com tours ou somente registros pontuais?
Estamos acabando nosso
segundo trabalho “The enemy of my enemy is my bestfriend”, serão mais cinco
músicas. Temos convites para tocarmos e estamos tentados a aceita-los, mas como
o Paulo estará em tour, pode ser que usemos outro baixista. Queremos convidar
alguém de outras bandas, que sejam amigos, é claro. Seria interessante uma
interação diferente com outros músicos.
-Quais os atuais e futuros projetos do Vladimir Korg? Com
tamanho talento lírico, você já publicou ou pensa em algum projeto literário?
Uma vez um crítico
aqui de Minas Gerais disse que eu não faço álbuns, eu escrevo livros. Achei
interessante essa abordagem e fiquei entusiasmado com isso porque indica que
você está na margem entre literatura e música. Tenho algumas ideias para
escrever sim, mas antes tenho que aprender a usar as vírgulas.
-Vladimir Korg, receba do ColoradoHeavyMetal um sincero
muito obrigado por nos atender com tamanha generosidade, e tenha certeza
que seu legado no heavy metal nacional
está escrito nos capítulos de maior destaque. Você é realmente um talento
diferenciado, e é uma honra para nosso blog poder compartilhar sua trajetória
com seus fãs e com quem conhecerá a
partir de agora. Deixamos este espaço para suas considerações finais:
Eu sou sempre
agradecido pela generosidade com que todos recebem os trabalhos que eu faço.
Sou um cara de muita sorte. Muito obrigado e espero vê-los por aí.
Por Marcão Azevedo
COLORADO HEAVY METAL - PEQUENAS AÇÕES QUE FAZEM A DIFERENÇA!
Curtam nossa page no FACEBOOK:
Desde 2013 produzindo matérias e entrevistas para grande rede.
Editor responsável - Vitor Carnelossi
Nenhum comentário:
Postar um comentário